Centro de Estudos e Pesquisa sobre Álcool e outras Drogas

Questão das drogas deve avançar, e não retroceder

As drogas são um evidente flagelo mundial. Em boa parte do planeta, o combate à disseminação dos entorpecentes tem sido marcado por grandes e preocupantes fracassos. Deve-se isso, principalmente, à adoção de políticas equivocadas, inspiradas em ideias como buscar a sua erradicação (uma utopia) e em métodos que privilegiam ações policiais-militares, uma anacrônica visão estimulada a partir dos Estados Unidos.

Mas não se trata de guerra perdida: no front, países com visão mais flexível têm obtido significativas vitórias, melhorando indicadores que medem a extensão do problema, com a redução de dramas e a sinalização de que, superada de forma realista o sonho da extinção das drogas, há caminhos a seguir para manter os índices de consumo dentro de padrões administráveis.

É o caso das nações que acordaram para a necessidade de adaptar a legislação a uma nova maneira de enfrentar o problema, pela ótica da saúde pública. Em vez do trinômio criminalização/perseguição policial/ações militares, a opção pela distinção entre usuários e traficantes; a alternativa de descriminalizar o consumo e criar políticas de redução de danos em lugar de trancafiar indistintamente consumidores e bandidos. Estima-se que 25 países descriminalizaram o consumo de drogas, com resultados estimulantes (na Europa, Portugal tornou-se um modelo; na América Latina, Colômbia, Argentina e Uruguai mudaram leis e a maneira de encarar a questão das drogas).

O Brasil, que ainda busca seu espaço nessa discussão, tem dado passos positivos. Um deles, por exemplo, foi a adoção de uma nova Lei de Drogas, que cria distinção entre usuários e traficantes. Mas, infelizmente, ainda há bolsões com força política suficiente para impor retrocessos. Como um projeto de lei do deputado Osmar Terra (PMDB-RS) em tramitação na Câmara, cujas propostas vão na contramão de políticas bem-sucedidas, adotadas por países que alcançam significativas vitórias contra as drogas.

O texto consagra atrasos ao criar um cadastro nacional de usuários de drogas (uma violação aos direitos dos usuários), a internação compulsória de dependentes (agravo no terreno dos direitos humanos e também um erro técnico) e o aumento da pena mínima por tráfico (alcança uma faixa em que não se distingue o traficante do vendedor ocasional, que repassa pequenas quantidades de droga para financiar o próprio vício).

O projeto também fortalece o papel de comunidades terapêuticas, geralmente ligadas a grupos religiosos, no tratamento do dependente. Grave distorção: as drogas são uma questão laica, de responsabilidade do Estado, sem prejuízo da ação de outras instituições. Deve ser ampliada é a participação do SUS nos programas de redução de danos. Os ainda tímidos avanços do país na questão das drogas não podem ser anulados por iniciativas que fazem o enfrentamento do problema regredir à Idade da Pedra.

 

Fonte: O Globo – 13/03/2013

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