Centro de Estudos e Pesquisa sobre Álcool e outras Drogas

Beber só aos fins de semana também traz riscos à saúde

Quem bebe esporadicamente - o famoso "bebedor social" - muitas vezes acredita que beber algumas doses a mais de vez em quando não fará mal. Mas, segundo um estudo realizado pelo Scripp´s Research Institute da Califórnia (EUA), a ingestão de grandes quantidades de álcool de uma só vez afeta o cérebro da mesma forma que o consumo frequente.

 "É muito comum escutar a pessoa dizer que só bebe nos finais de semana, então não tem problema. Mas isso não é verdade, esse comportamento é de risco e representa um perigo real", alerta a psiquiatra Carla Bicca, conselheira da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead).

Esse padrão de uso pesado de álcool por tempo determinado (um fim de semana, por exemplo) é chamado pelos especialistas de uso "binge" de álcool, ou, em português, "BPE" (beber pesado episódico). Ele é definido pelo consumo de cinco ou mais doses de bebida alcóolica de uma só vez pelos homens, e de quatro ou mais doses para mulheres. E também é usado para indivíduos que bebem até a embriaguez.

 De acordo com Bicca, esse comportamento é mais arriscado que o de pessoas que bebem doses moderadas com frequência. "Essas pessoas acabam se expondo a mais situações de risco, como acidentes de trânsito, sexo sem proteção e brigas, além de correr um risco maior de infarto agudo do miocárdio e overdose alcóolica, o que pode até mesmo levar ao coma e à morte".

 

Uma linha tênue

 Exagerar na bebida aos finais de semana também pode construir um padrão de consumo arriscado que pode levar ao alcoolismo. "Não é a quantidade ou a frequência de consumo que definem se a pessoa é dependente ou não", alerta Arthur Guerra de Andrade, professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e presidente executivo do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA).
 De acordo com o psiquiatra, é importante atentar para ao comportamento do bebedor. "O bebedor social usa o álcool sobretudo pelo sabor e consegue parar de usar quando quiser, ou seja, ele bebe se quiser e, caso não queira, simplesmente não bebe. Já o alcoolista ‘perde’ as escolhas: ele não usa o álcool pelo gosto, e sim pelo efeito", explica.

 Isso indicaria mais um sinal de alerta para os bebedores que exageram ao final de semana. Muitas vezes a bebida é consumida devido a seus efeitos - promover relaxamento e desinibição, por exemplo. Então ela é ingerida em grandes quantidades e em um curto período de tempo, para se alcançar o efeito desejado. Esse comportamento é considerado de alto risco para o desenvolvimento da dependência química.
 "A pergunta que dever ser feita, então, para a pessoa que só bebe aos finais de semana é se ela consegue passar um sem beber", diz Bicca. Se ela não conseguir se imaginar numa festa sem ingerir uma bebida alcóolica, ou então um final de semana sem estar "chapado", então é preciso cuidado.
 No entanto, é preciso atentar que há uma diferença entre beber pesadamente e o alcoolismo. Muitas pessoas exageram na dose em certas situações, porém não são dependentes. "A separação entre o uso considerado ‘social’ ou moderado do álcool e o alcoolismo será o controle que o usuário tem sobre o consumo de bebidas alcoólicas. É o exercício de sua autonomia em escolher entre beber ou não beber.

O alcoolismo se instala quando se observa uma perda de controle sobre o uso de álcool, de modo que o usuário não tem mais autonomia e se torna dependente", explica Edmilson Antunes de Campo, professor da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP.

 

Consequências

 Diagnosticar o alcoolismo não é uma tarefa simples. "A dependência de álcool é uma doença crônica e multifatorial; isso significa que varia de pessoa para pessoa, pois há diversos fatores genéticos, fisiológicos, ambientais e sociais que fazem com que o uso moderado se transforme em dependência", explica Andrade.

 Geralmente, o problema com a bebida fica explícito quando ocorrem situações nas quais o álcool está influenciando negativamente a saúde física, a rotina e as relações profissionais e pessoais (por exemplo, começa a causar brigas na família, atrasos no trabalho etc).

Alguns dos sintomas da dependência são claros, como o desejo incontrolável de beber, a perda de controle (não conseguir parar depois de ter começado), tolerância (com o tempo, é necessário doses maiores para obter o efeito desejado) e sintomas físicos como sudorese, tremores e ansiedade.

 Tanto no uso esporádico como no consumo frequente, o álcool causa alterações múltiplas no organismo. As primeiras reações são sonolência ou agressividade, irritabilidade, agitação, alteração de equilíbrio, vômitos e até convulsões. Em casos extremos, em que há overdose alcóolica, o consumo excessivo pode levar ao coma e à morte. "Com o uso frequente, podem surgir outros problemas como cânceres do sistema digestivo, cirrose, pancreatite alcoólica, perda de sensibilidade em membros inferiores, atrofia do cérebro (alterações de comportamento, convulsões, demência), arritmia cardíaca, e impotência sexual", alerta Bicca.

 

Homens e mulheres

 Na hora de beber, faz diferença se você é homem ou mulher. Isso porque as mulheres possuem menor quantidade de água no organismo, o que faz com que o álcool fique mais concentrado. Assim, uma mesma quantidade de bebida afeta as mulheres mais rápido e de forma mais intensa do que os homens. Por isso, elas são mais expostas às consequências do uso de álcool e têm maior risco de desenvolver dependência do que eles.
 Considerando essa diferença entre os sexos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estabelece que os homens não devem ultrapassar o consumo de três doses diárias de álcool e as mulheres , de duas doses diárias (uma dose equivale a uma latinha de cerveja, uma taça de vinho ou 25 mililitros de destilados, como uísque e vodca).

 No entanto, a quantidade de mulheres que abusa do consumo de bebidas alcóolicas vem crescendo no Brasil. De acordo com uma pesquisa realizada em todas as capitais brasileiras e divulgada em 2010 pelo Ministério da Saúde, o número de mulheres que ingere álcool abusivamente passou de 8,2% da população em 2006 para 10,6% em 2010. De modo geral, o percentual da população adulta que bebe álcool em excesso passou de 16,2% para 18% nos quatro anos, o que representa cerca de 34 milhões de pessoas.

 

Consumo moderado

 Muitas pesquisas, no entanto, vêm afirmando que o uso moderado de álcool pode trazer benefícios para a saúde. Porém o tema é muito controverso. A polêmica começa logo na hora de definir o que é beber moderadamente. "Comumente essa definição é confundida com beber socialmente, que significa o uso de álcool dentro de padrões aceitos pela sociedade", diz Campos.
 A OMS estabelece que o consumo aceitável álcool é de até duas doses por dia para homens e uma dose por dia para mulheres. Nessa quantidade, algumas pesquisas apontam que a bebida pode trazer benefícios para a saúde. Vários estudos, entre eles os realizados pelo Kaiser Medical Center, da Califórnia, e outro pela Universidade da Flórida (UFA), apontam a relação entre a bebida com a redução de 32% no risco de morte por ataque cardíaco e o aumento de 10% a 20% dos níveis de HDL (conhecido como "colesterol bom").

 "Entretanto, é importante ressaltar que, apesar de o uso leve a moderado de álcool ser potencialmente benéfico para muitas pessoas, certamente não o é para todos, pois os efeitos do álcool sobre a saúde dependem do histórico médico e de riscos individuais", alerta Andrade. A própria OMS afirma que não existe um nível absolutamente seguro para o consumo do álcool e aponta que em algumas situações (como mulheres grávidas, pessoas que planejam dirigir ou que usam alguma medicação), o consumo do álcool não é recomendado nem em pequenas quantidades.

 Por outro lado, algumas pesquisas apontam que mesmo o consumo moderado de álcool pode trazer sérios prejuízos para a saúde. "De acordo com a literatura médica, a moderação no uso de bebidas alcoólicas pode estar relacionada com o aumento no risco de desenvolvimento de alguns tipos de câncer, em especial o de mama, e também com o aumento no risco de anomalias fetais, com diminuição no peso e tamanho do feto", destaca Campos.

O alcoolismo é uma doença crônica e, portanto, deve ser tratada. O primeiro passo é se conscientizar de que há um problema com o álcool e, então, fazer uma avaliação clínica detalhada. Esse primeiro contato pode ser feito por um clínico geral, em um posto de saúde. Mas se a dependência for constatada, a pessoa deve ser encaminhada para um especialista – geralmente um psiquiatra. Deve-se, também, analisar se existem outros problemas além da dependência, como depressão ou ansiedade (a associação desses transtornos com álcool é muito comum e demanda tratamento especifico). Então será avaliado qual o tipo de tratamento adequado para cada caso.

 Existem muitas opções de tratamento para as pessoas que são dependentes e não tem outros transtornos psiquiátricos. No Brasil, existem terapias em grupo (como os Alcóolicos Anônimos – AA e outros grupos de ajuda) ou individuais. Essas terapias evoluíram muito e têm mostrado resultados positivos significativos. Mas, para tanto, terapeuta e bebedor devem, juntos, identificar os fatores de risco para a ingestão de álcool. Existe também o tratamento farmacológico, com medicamentos que diminuem a vontade de beber. No entanto, a necessidade ou não de medicação, assim como quando e como utiliza-la, é algo que deve ser decidido com um médico especializado que acompanhará todo o processo.

 No Brasil, os mais conhecidos tratamentos gratuitos especializados em dependência química são os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPSad) e hospitais públicos e conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS). 

 

 

Fonte: Abead - 19.02.2013

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